sábado, 31 de agosto de 2013

Liberdade de escolha?

Marlene Dietrich: “Darling, the legs aren’t so beautiful, I just know what to do with them.”

Um rapaz de Brooklyn, não de Chicago

Uma boa parte das democracias está encalhada no excesso de estado, de governo e de burocracia, na complexidade e custo das tecnologias e infraestruturas globais, no oportunismo corporativo, na corrupção e no populismo. O sinal mais alarmante deste atoleiro é o agravamento imparável e a confluência temporal das dívidas externas, privadas e públicas que o colapso financeiro de 2008 tornou progressivamente evidente num número crescente de países.

Passei as minhas férias lendo dois livros muito oportunos de Nassim Nicholas Taleb: a segunda edição de The Black Swan—The Impact of the Highly Improbable (2010), e Antifragile—Things That Gain from Disorder (2012). Há muito que a temperatura da água na praia de Carcavelos não era tão apetecível para os humanos, mas também para as alforrecas, e não recordo de ter visto tanta gente gorda na praia, de meia idade, jovens, sobretudo raparigas, e miúdos de todas as cores. Fome? Só se for de uma alimentação racional e de exercício físico!

Nestas férias de proximidade, que me permitiram poupar dinheiro precioso que não há, pude confecionar em casa e regalar a família com carne biológica de vitela, porco e borrego conscienciosamente criados na Herdade do Freixo do Meio. Pude melhorar as minhas artes de sushi de atum, peixe espada preto e salmão frescos. E pude ainda, para além de alguns clássicos pessoais, como o arroz malandro de polvo acompanhado por filetes do mesmo, assar monumentais robalos de mar fresquíssimos duramente regateados na Praça da Ribeira. Dominaram francamente as pingas brancas e rosadas da nova região vinícola de Lisboa —Santos Lima e Ermelinda de Freitas— e de Cantanhede —Marquês de Marialva branco 2011.

Mas a grande novidade destas férias, que não foi a exposição de Joana Vasconcelos, ocorreu por acaso quando tropecei numa extraordinária série de televisão disponível na Internet, da autoria de Milton Friedman.

O nome da série original de dez episódios, realizada em 1980, é “Free to Choose”. Existe também disponível na Net uma versão de 1990, com cinco episódios e legendas em português, com o título “Livre para Escolher”. Vi ambas as séries, sobretudo por causa das discussões que encerram cada episódio. Nada do que hoje se discute sobre o buraco em que estamos, ou medidas que têm vindo a ser legisladas pelos sucessivos governos do bloco central desde que Mário Soares, em 1984, mandou criar o famoso Quadro de Excedentes na Função Pública, escapam ao raciocínio sistemático de um dos mais atacados economistas do século 20.

Governo a mais, liberdade e democracia a menos
“Ao pessoal excedentário poderá ser proporcionada a frequência de cursos de formação e aperfeiçoamento profissional, de modo a facilitar a sua colocação. Por outro lado, em determinadas circunstâncias, e beneficiando de incentivos previstos na lei, esse pessoal poderá desligar-se da função pública, contribuindo assim para o respectivo descongestionamento.” (1)
Esta decisão do governo de Mário Soares, em 1984, não sofreu então qualquer contratempo no cenáculo partidário a que chamamos impropriamente Tribunal Constitucional. Daí a improcedência evidente e descarada da mais recente decisão do TC, que Passos Coelho aproveitou (e porventura provocou) para anunciar o esperado a várias vozes segundo resgate. Mas o mais importante é que a necessidade inadiável, pelo menos desde 1984, de emagrecer o estado e os seus inúmeros tentáculos burocráticos e adiposidades corporativas, foi explicada e defendida de modo explícito e fundamentado, pelo menos desde 1963, pelo judeu franzino de Brooklin que um dia seria a face mais visível e polémica da célebre Chicago School of economics.

O Wall Street Journal publicou no dia seguinte à morte de Milton Friedman (2006) um artigo adaptado pelo próprio a partir de um paper em que vinha trabalhando há algum tempo: “Why Money Matters”. Vale a pena conhecer estas duas passagens:
“The third of three episodes in a major natural experiment in monetary policy that started more than 80 years ago is just now coming to an end. The experiment consists in observing the effect on the economy and the stock market of the monetary policies followed during, and after, three very similar periods of rapid economic growth in response to rapid technological change: to wit, the booms of the 1920s in the United States, the 1980s in Japan, and the 1990s in the United States.” [...]

“The results of this natural experiment are clear, at least for major ups and downs: What happens to the quantity of money has a determinative effect on what happens to national income and to stock prices. The results strongly support Anna Schwartz’s and my 1963 conjecture about the role of monetary policy in the Great Contraction. They also support the view that monetary policy deserves much credit for the mildness of the recession that followed the collapse of the U.S. boom in late 2000.”
De ambos os lados do Atlântico, ainda que com retóricas distintas, as respostas dadas, de 2007 para cá, aos colapsos financeiros que se seguiram aos rebentamentos das bolhas de crédito público e privado têm seguido, por um lado, a receita de Milton Friedman sobre a necessidade extraordinária e temporária de aumentar a massa monetária, a fim de impedir uma corrida aos bancos e manter os mercados financeiros a funcionar (Quantitative Easing, nos Estados Unidos, ESM, EFSF e OMT, na Europa, e Abenomics, no Japão). Mas, por outro lado, têm seguido também a receita de John Maynard Keynes no que toca ao endividamento extraordinário dos governos, sob o pretexto de travar o desemprego e estimular o recomeço do crescimento económico. O desemprego, porém, disparou, salvo nas administrações públicas e nos governos.

Em toda a parte os estímulos keynesianos têm vindo a dar resultados positivos decrescentes. Embora tendo permitido aos governos continuar a pagar os vencimentos aos funcionários públicos, as rendas excessivas contratadas com setores económicos protegidos, e os encargos com a segurança social, estes maremotos de liquidez sucessivamente lançados pelos bancos centrais na economia sob a forma de compra maciça (direta ou dissimulada) de títulos de dívida pública estão retidos nos bancos ou são desviados para mais apostas em derivados financeiros e outros veículos especulativos.

Ou seja, republicanos, democratas, socialistas, social-democratas e populistas têm vindo a usar a receita monetarista para segurar o sistema bancário, ao mesmo tempo que encanam a perna à rã no departamento keynesiano, travando os chamados mecanismos de transmissão de liquidez à economia privada — apesar da propaganda sobre o famoso crescimento. Os estímulos chegam apenas a um sítio: ao Estado!

Nem Friedman, nem Keynes são realmente seguidos

Ou se são, a coisa é perversa.

Pelo lado monetarista, impedem-se os bancos de cair. Mas contra as ideias de Friedman o aumento da massa monetária, que deveria ocorrer a título excecional e temporário e servir para desencorajar qualquer corrida aos depósitos bancários, está a ser canalizado para tapar o buraco negro das dívidas soberanas.

Pelo lado keynesiano, a receita foi deturpada para assim continuar a alimentar um estado social que já não consegue recolher impostos suficientes para se manter, mesmo apostando, como tem vindo a apostar, numa criminosa expropriação fiscal dos cidadãos e das empresas —com especiais efeitos mortais nas classes médias e nos pequenos negócios privados.

Created equal? Oh no!

A discussão pública está de pernas para ao ar e viciada pelo populismo burocrático dominante. Valia a pena passar nalgum canal televisivo a famosa série televisiva de Milton Friedman, “Free to Choose”, para que, ao menos, soubéssemos todos o que está realmente em causa no apodrecimento perigoso das democracias dominadas pelo monstro estatal e pelas moles partidárias.

Milton Friedman descurou, na minha opinião, como muitos outros economistas, o problema dos recursos, e sobretudo a questão dos limites naturais das formidáveis formas de energia relativamente baratas a que os seres humanos tiveram acesso ao longo dos últimos duzentos anos. E descurou também os impactos do abandono dos campos e das dimensões e complexidade da urbanização que acompanharam a industrialização e a subsequente dissolução das famílias tradicionais na inflação burocrática das sociedades. Mas a clareza do seu modelo é tal que poucos terão o mesmo valor heurístico para uma discussão aprofundada das causas do declínio da era capitalista. Os três primeiros meses de qualquer curso de economia e finanças deveriam ser dedicados ao conhecimento e discussão exaustiva de Liberdade para Escolher.

Obrigado Santini!

Uma praia de sempre, almoços prolongados em família, coroados com os gelados gloriosos do Santini (que abriu mais uma loja, e sobretudo a sua nova fábrica, em Carcavelos :) e os olhos refastelados na extraordinária série policial dinamarquesa The Killing, uma imperial no Bar dos Gémeos com amendoins salgados ao entardecer, que mais podemos desejar para umas verdadeiras férias de verão?

António Cerveira Pinto


NOTAS
  1. Presidência do Conselho de Ministros
    Decreto-Lei n.º 43/84
    de 3 de Fevereiro
    Referendado em 16 de Janeiro de 1984. - O Primeiro-Ministro, Mário Soares.

domingo, 25 de agosto de 2013

António Borges

António Borges (1949-2013)

Perdemos um português culto e corajoso

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O António Maria, 27 de março de 2005

A falta de paciência de António Borges para a mediocridade portuguesa há muito instalada foi o seu maior ativo. Ouvi-o e li-o com atenção. Dizer que António Borges era um liberal, conhecendo-se o grau de corrupção e inépcia a que chegou o capitalismo corporativo em Portugal, só pode ser entendido como um elogio. Sem mais liberdade, nomeadamente contra o oligopólio asfixiante das várias castas de rendeiros e devoristas do regime, e sem mais democracia participativa, contra o corrupto demo populismo dominante, Portugal continuará a cavar a sua própria sepultura. 

António Borges tinha uma visão financeira do mundo e da globalização. Não chegou a ver, creio, o problema de fundo dos recursos e do fim à vista de uma era inflacionista e de crescimento rápido. Viu demais o mundo através dos binóculos invertidos da Goldman Sachs. Mas sobre o analfabetismo funcional endémico dos portugueses, a indolência e corrupção da política lusitana, e o provincianismo indelével das elites indígenas, viu tudo o que queria e o que não queria. 

Que descanse em paz! 

António Cerveira Pinto

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Bradley Manning condenado

Bradley Manning escoltado à saída do tribunal de Fort Meade
(AP Photo/Patrick Seansky@Salon)
Uma farsa americana

Escândalo Wikileaks. Manning: 35 anos de cadeia!

Reunir e passar informações classificadas de um governo para outro (sobretudo se forem inimigos) é espionagem e corre todos os riscos conhecidos, da prisão, à pena de morte, até ao assassínio puro e simples.

Mas reunir informações classificadas e difundi-las publicamente por considerações de ordem ética, ou por dever de informação, é um direito inalienável em democracia. Condenar alguém por isto é fazer pouco da democracia.

Se os serviços de inteligência e governamentais de um dado governo são incompetentes até ao ponto de permitirem fugas astronómicas de informação como aquela que o Wikileaks disseminou, quem deve ser responsabilizado são os responsáveis pela falha de segurança, e não o mensageiro que age em nome da transparência dos atos governativos.

O mais extraordinário de todo este caso, e da fuga de documentos sobre espionagem americana de países amigos, organizada e disseminada mais recentemente por Edward Snowden, é que a documentação tornada pública (e não vendida no mercado negro da espionagem) prova à exaustão que foi e é o governo americano que procede a colheitas ilegais de informação, não só junto dos inimigos, mas também infiltrando e roubando informação confidencial aos governos amigos e às empresas de países amigos!

Quem deveria, portanto, estar no banco dos réus era o presidente americano e as suas indecorosas agências de informação.

O soldado americano de 25 anos foi condenado a 35 anos de cadeia (Reuters). Os serviços secretos americanos e israelitas não descansarão enquanto não deitarem a mão a Snowden. Até lá continuarão a empurrar a democracia americana para uma nova forma de fascismo (Orwell sabia do que escrevia) e a espiar governos e empresas de todo o mundo impunemente, até um dia. Como se não bastasse, os psicopatas autorizados da defesa do estado americano ainda têm tempo para montar guerras assimétricas (Low Intensity Operations) em todo o planeta sob o pretexto de combater o terrorismo que eles próprios fomentam nas catacumbas militares dos S.O..

António Cerveira Pinto

Perguntem ao Gaspar

Vítor Gaspar tem que explicar o que fez.

Quem disse que o corporativismo acabou?

Ao contrário dos fundos públicos geridos pelo Estado, o fundo de pensões do banco central tinha mais dívida belga e francesa que portuguesa


O fundo de pensões do Banco de Portugal constitui um caso de excepção, a vários níveis. É o único fundo com a responsabilidade pelo pagamento de pensões de quadros bancários que se mantém independente no sector, após a transferência feita em 2011. É também o único fundo de pensões público que se mantém autónomo, ou seja, não foi integrado na Caixa Geral de Aposentações.

[...]

No passado recente, vários fundos de pensões do Estado, designadamente de empresas públicas ou privatizadas - Caixa Geral de Depósitos e Portugal Telecom -, foram transferidos para a Caixa Geral de Aposentações. Estas operações geraram uma receita extraordinária para cobrir o défice público. Mas neste processo, todos os activos dos fundos foram convertidos em dívida pública.

No total, o património dos fundos de pensões públicos já têm 10 mil milhões aplicados em dívida portuguesa. Este valor pode chegar aos 14 mil milhões de euros até 2015 com a mudança aprovada pelo governo em Julho, tornando-se um maiores detentores da dívida. i online, 20/8/2013.

O BdP, que é público, não pode financiar o défice português? Pode. Tanto pode que tem na sua carteira de investimentos, Bilhetes do Tesouro e Obrigações de Dívida Pública (ver tabela em baixo). A exceção decretada, por omissão, por Vítor Gaspar horas antes de abandonar o gabinete do Ministério das Finanças, é tão só o reflexo típico do corporativismo e falta de vergonha imbuídos no regime. Ambos são uma herança salazarista que a democracia populista que temos não eliminou. Pelo contrário, expandiu e transformou no lastro de corrupção que atirou o país para o buraco.

Entretanto, 90% da reserva do fundo de pensões foi entalado por Gaspar, sem qualquer diversificação de risco, em dívida portuguesa. Eu acho que o homem deveria ser preso!

No fundo, o que Gaspar fez (depois de um telefonema do Wolfgang, imagino...) foi capturar 90% da reserva do fundos de pensões público para um possível 'bail-in', caso governo e oposição continuem a adiar a reforma do Estado e sobretudo das burocracias, corporações e rendeiros. É a mesma receita aplicada por Rajoy. Em Espanha as compras chegam aos 97% das reservas do fundo de pensões público!

Por um lado, enfiar os descontos dos pensionistas em títulos e bilhetes do tesouro é indexar o valor real das mesmas à correção do défice e à célebre desvalorização fiscal. Ou seja, é uma maneira indireta, mas efetiva, de forçar a diminuição do défice. Ou emagrecemos a despesa pública agregada, e aí a confiança dos credores regressa paulatinamente, ou não, e aí... Bom, neste caso, teremos um novo resgate e um sempre possível perdão parcial da dívida. Mas se tal vier a ocorrer, a medida que Vítor Gaspar tomou antes de sair do gabinete significará que os quatorze mil milhões de euros de exposição das pensões públicas à capacidade do Estado pagar as suas dívidas estarão inexoravelmente sujeitos a um corte de cabelo de 10%. 30%, 50%, 60%... 

A ameaça de uma tosquia com Máquina Zero passou a ser real!

Resumindo: a última decisão de Gaspar-Schauble é uma espada de Dâmocles sobre as cabecinhas dos partidos sentados na AR e sobre o regime. E o Banco de Portugal ficou a salvo desta ameaça. Noblesse oblige!

PS: Acabo de ler um artigo certeiro e oportuno do Daniel Deusdado sobre este mesmo assunto, que recomendo.


NOTAS

Banco de Portugal, 2012.


António Cerveira Pinto

Última atualização: 21/8/2013 - 23:14 WET

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O inevitável fim do estado social


Ver Tordesilhas 2.0 num mapa maior

Próximas vítimas: bancos e paraísos fiscais

Mais de uma vez chamámos a atenção para o facto de os governos apertados com dívidas terem um comportamento padrão: primeiro, financiam-se expropriando os seus cidadãos com impostos e taxas; depois, quando a punção fiscal já só agrava a economia, e as receitas agregadas começam a cair (a chamada fadiga fiscal), os governos procuram por todos os meios possíveis recuperar parte da evasão fiscal, nomeadamente aquela que fugiu para o estrangeiro e em especial para os paraísos fiscais; em paralelo, primeiro timidamente, depois em catadupa, prosseguem um programa agressivo de redução da dívida pública (austeridade), no caso vertente na Europa e nos Estados Unidos, desfazendo progressivamente o estado social (welfare state), sobretudo se a solvência financeira já se encontra criticamente dependente do financiamento externo ou de um incremento insustentável da massa monetária; finalmente, se o estado continua falido, é a vez de ir atrás dos bancos entregues às unidades de cuidados intensivos pagas pelo contribuinte. Último recurso, embora só para os que podem, a guerra! 

[Leia-se o incidente em curso no penedo de Gibraltar a esta luz. O G7, ou mais precisamente, a aliança anglo-americana decidiu dar uma lição ao G20. A Espanha não percebeu e corre, pois, o risco de se deixar humilhar por nada.]

O artigo que se segue e a extraordinária entrevista a Catherine Austin Fitts dão bem a ideia do que está em curso na sombra da algazarra partidária e mediática tradicional.

FATCA and the End of Bank Secrecy
August 19, 2013 by Cezary Blaszczyk, Ludwig von Mises Institute.

Among the many recent revelations about American surveillance operations was the fact that, according to Der Spiegel, the U.S. intelligence apparatus “not only conducted online surveillance of European citizens, but also appears to have specifically targeted buildings housing European Union institutions,” Few, if any, of those commenting of late on such affairs mentioned that numerous nations across the globe actually acknowledged the U.S. government’s anti-privacy offensive months before by accepting its Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA).

[...]

From as early as 2010 Japanese bankers expressed no intention of complying to the regulations and yet they did. On June 11, 2013 the Japanese government signed the Statement of Mutual Cooperation and Understanding between the U.S. Department of the Treasury and the Authorities of Japan to Improve International Tax Compliance and to Facilitate Implementation of FATCA. With the United Kingdom, Denmark, Mexico, Ireland, Switzerland, Norway, Spain, Germany and Japan as intergovernmental agreements (IGA) signatories and others coming, it is fair to say that January 1, 2013 is the day banking secrecy ceased to exist. Even Ueli Maurer, the Swiss president, admitted that “honouring the United States’ Foreign Account Tax Compliance Act led to the lifting of banking secrecy for US customers of Swiss banks.”

[...]

We did not have to wait long for a similar initiative from the European Union. According to the latest news, the European Commission seeks to expand automatic information exchange between EU Member States. EU Tax Commissioner Mr. Algirdas Šemeta revealed on June 13, 2013 a proposal for a Council Directive, which aims at eradication of tax evasion in Europe. The automatic exchange of information between member states is going to create a system called AEOI, the most comprehensive treasury and fiscal control in the world. Even Luxemburg and Austria, countries traditionally skeptical about collective anti-tax evasion initiatives, are expected to join the AEOI. 

Os números recentes sobre a economia portuguesa deixaram os analistas perplexos e incrédulos. Na realidade, eles já traduzem, porventura de forma tímida, o divórcio crescente entre uma nova economia que voltou as costas ao Estado falido, e a que continua dele dependente, dos funcionários públicos e corporações aos rendeiros tradicionais do regime, passando pelos bancos corruptos e indigentes que é preciso deixar cair quanto antes (felizmente não são todos).



 
Mas como refere Catherine Austin Fitts, um colapso desta dimensão é um processo lento e arrasador.

A velha economia faliu e continua enfiada no buraco da dívida sem saber como sair. Os baby boomers só agora começam a perceber que a degradação brutal das suas pensões de reforma é praticamente um facto consumado. Por outro lado, a nova economia, se vier a existir, tem um caminho estreito pela frente: diminuição do poder financeiro especulativo dos bancos, reindustrialização tecnológica, agricultura orgânica (bio-dinâmica, sem OGMs, nem excesso de fertilizantes e desinfestantes sintéticos, etc.), comércio de proximidade, alternativas individuais, familiares, empresariais e locais aos cartéis da energia, reorganização radical dos sistemas públicos, privados e cooperativos de solidariedade social, saúde e educação, redução drástica das burocracias e lóbis corporativos, e intensificação do papel das instituições do poder local e das redes sociais na refundação das democracias (1).

Tordesilhas 2.0 a caminho? A linha divisória passaria pela Turquia, Síria e Iraque.

Os países emergentes já eram, e o despertar é doloroso. No momento em que os Estados Unidos e a Europa se preparam para voltarem a ser as locomotivas da próxima era económica e cultural, a OPEP, Rússia, China e Índia, já para não referir o Brasil e em geral os países africanos irão perceber que a sua janela de oportunidade se fechou. O perfil do consumo euro-americano vai mudar rapidamente, e esta metamorfose prejudicará (já está a prejudicar) dramaticamente as exportações e o emprego nos países emergentes, e ainda todos os países que vivem do petróleo e da exportação de matérias primas e alimentos geneticamente modificados.
Old System Struggling and Dying-Catherine Austin Fitts
31 July 2013 by Greg Hunter’s USAWatchdog.com (vídeo a não perder)

Money manager Catherine Austin Fitts [from Solari] says, “You are seeing a tug of war between the new system that’s coming up and the old system that’s struggling and dying.”  Fitts explains it by saying, “Let’s pretend we have a company called USA, and we create a new company called Breakaway Civilization.  We move all of our assets out of USA and put them in Breakaway Civilization.  We leave union obligations and pension funds . . . in the old USA economy.”  Fitts warns, “I think bail-ins are coming . . . the big question is not will we be able to get out insured deposits.  I think the big question is how violent will things get?”  Fitts biggest worry is not financial collapse.  Fitts contends, “I don’t think the people who run the U.S. military or run the United States government are going to say we’re happy to collapse rather than go to war.  They are going to go to war.  They’re going to shake somebody down.”

Os BRIC encontram-se perante um dilema: ou desafiam agora a supremacia americana, à qual a Europa continua encostada, arriscando perder tudo, ou, pelo contrário, fazem bluff até obter do Ocidente uma espécie de novo tratado de Tordesilhas, aquilo a que venho chamando Tordesilhas 2.0.

Neste contexto subitamente alterado da globalização Portugal pode desempenhar um papel discreto mas eficaz na diplomacia mundial. Mas para isso terá que deixar bem claro sempre que é a ponta ocidental da Europa e o porto europeu mais próximo das Américas.

MUITO IMPORTANTE: quem puder, ouça este 'podcast' com muita atenção!


NOTAS
  1. Estancar o declínio demográfico exige a devolução da autonomia e cidadania plena às cidades, vilas e aldeias de Portugal. É fundamental reverter o excesso de legislação oportunista que protege as burocracias, as corporações e os cartéis, nomeadamente no acesso e produção de energia, na mobilidade individual e coletiva e, desde logo, no ensino pré-primário, primário, secundário e superior (universitário e profissional-tecnológico).
António Cerveira Pinto
para o Partido Democrata

sábado, 17 de agosto de 2013

Jerónimo Martins, parabéns!

Fachada de loja Biedronka, Polónia
Foto: Jerónimo Martins
Jerónimo Martins & Francisco Manuel dos Santos criaram uma empresa com mais de 220 anos de história
A Jerónimo Martins surge em 16.º lugar na lista das empresas mais inovadoras que a Forbes publica anualmente. É a única empresa portuguesa na tabela e surge à frente de multinacionais conhecidas pela inovação como o Google e a Apple. Público, 16/08/2013 - 21:18 WET.
É a coisas como esta —a Jerónimo Martins, do galego com o mesmo nome que chegou a Lisboa em 1792 para montar uma modesta tenda no Chiado— que Nassim Nicholas Tabeb, o autor de O Cisne Negro, chama “anti-frágil”. Lembro-me de ter feito inúmeras compras na mercearia fina da Jerónimo Martins, nos idos anos 60 e 70 do século passado. A sua montra regalava os olhos e era difícil resistir, apesar de muitas das iguarias importadas, pelo preço, raramente passarem do namoro platónico ao festim.

Quando começaram a proliferar os hipermercados, ou ‘shopping malls’, em Portugal, ameaçando o negócio de milhares de mercearias como a da Jerónimo Martins, que acabaria em chamas no pavoroso Incêndio do Chiado, esta respondeu com uma cadeia de supermercados de bairro.  Hoje, com o vigoroso renascimento do comércio local, nomeadamente na Baixa Pombalina e Avenida da Liberdade acima, quando encher um depósito de gasolina ultrapassa os 100 euros, revelou-se uma aposta certa e cada vez mais identificada com a ideia de comércio justo e sustentabilidade.

A Jerónimo Martins é a principal empresa do PSI20, tendo recentemente ultrapassado a própria GALP, mesmo depois do grande investimento desta petrolífera numa nova refinaria em Sines. Está em Portugal, na Polónia e na Colômbia. É a distribuidora dos famosos gelados Olá. Quem nunca os provou? Ou quem nunca comprou uma garrafa de Azeite Gallo?

Pingo Doce, Joaninha, Arara são as aves inspiradoras de uma empresa que nasceu no ano em que a Revolução Francesa instaurou a República e cantou pela primeira vez a Marselhesa. A mesma empresa que, em 1851, celebrou com o intelectual desiludido Alexandre Herculano um contrato minucioso de fornecimento de ‘azeite fino’ produzido na propriedade do grande historiador. A preocupação com a qualidade e origem do produto ficou exemplarmente exarada no contrato: “quaisquer amostras que tragam o meu nome, quer só, quer associado com outro, são completamente falsas”.

Em tempos de grande fragilidade é bom ver reconhecida uma empresa portuguesa, não apenas pela sua longevidade, critério muito caro a Nassim Taleb, mas sobretudo pela sua capacidade de inovação!

PS: colocaram-me a questão da deslocalização da sede da holding para a Holanda. Não conheço o assunto, mas creio que a JM devolve ao Estado o IVA do que vende, realiza as devidas contribuições sociais pelos milhares de trabalhadores que emprega, e também pagará IRC em Portugal. Resta o problema da deslocalização dos lucros. Como desconheço o detalhe, não comento. Mas em geral, a minha posição é clara e não mudou: condeno a fiscalidade portuguesa por ser autoritária, excessiva e desigual. Se é possível evitar legalmente a expropriação fiscal, que nos impede de agir racionalmente?

António Cerveira Pinto

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Votar contra a ditadura democrática

Isaltino Morais, autarca na prisão.
Foto: Pedro Cunha/Arquivo/Público

A ditadura dos partidos instalados perdeu a cabeça. Votar nela, para quê?

Nem Isaltino, nem Moita Flores são candidatos aceitáveis, um porque foi condenado por crime económico, estando a cumprir a pena que lhe foi aplicada pelos tribunais, e o outro porque abandonou as funções para que fora eleito em Santarém, com a intenção evidente de se candidatar a Oeiras. O primeiro, se fosse eleito, teria que exercer o mandato a partir da cadeia. O oportunista Moita, por seu lado, não oferece nenhuma garantia ao eleitorado de que não venha a desistir do mandato que agora pretende exercer se o PSD lhe acenar com outra cenoura qualquer. Além do mais, Moita Flores não é um residente do concelho. É um pária televisivo!

A lei eleitoral deve mudar e deve passar a vetar qualquer candidato autárquico que não resida de forma permanente no concelho onde quer ser eleito há pelo menos quatro anos consecutivos. Políticos de partido que residem na Lapa, como o 'socialista' João Ribeiro, candidatarem-se à presidência do município de Setúbal, é um insulto, depois de ser uma gargalhada, à democracia. Só em ditadura partidária tais aberrações podem existir e subsistir. É tempo de acabar com este género de prepotência partidária.


O caso de Oeiras, como muitos outros, seria uma boa oportunidade para o PS apresentar alternativas, se as tivesse, mas que, pelos vistos, não tem, pois sofre dos mesmíssimos vícios do resto do arco parlamentar do regime. O caso de Setúbal é suficientemente demonstrativo.

Resta, pois, perguntar se valerá a pena votar. 

Há quem defenda a abstenção pura e simples, como forma de protesto. Há quem defenda o voto branco e o voto nulo como um protesto que não deixa de reafirmar o valor da democracia, mesmo que torta e desesperadamente à espera de uma transfusão de sangue novo que não esteja contaminado pelas deformações extrativas, autoritárias, corporativas, populistas e nepotistas do insolvente sistema partidário que capturou e ruiu o país. Há mesmo quem defenda um protesto à escala nacional sob a forma da presença maciça nas urnas, em silêncio, para não votar, em nome de uma abstinência democrática simbólica, em nome de uma cada vez mais inadiável restauração democrática.

A decisão do caricato Tribunal Constitucional que temos vai ser porventura decisivo no desencadear de um movimento imparável de protesto contra a ditadura partidária que cavou o buraco onde caímos, e que continua a cavar, pois não sabe fazer mais nada.

António Cerveira Pinto 

Angola, cuidado!

Isabel dos Santos e o seu pai não estão a perceber os perigos.
Foto: Quintiliano Santos/Novo Jornal/Arquivo
Copiar as monarquias corruptas do petróleo não é boa ideia...

“Em Janeiro, a revista Forbes considerou Isabel dos Santos, a filha mais velha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos, como a mulher mais rica de África. Agora, publicou uma investigação em que clarifica a origem da sua fortuna: vem de ficar com uma parte de empresas que querem estabelecer-se em Angola ou da providencial assinatura do pai numa lei ou decreto.

[...]A revista norte-americana diz claramente que a história de Isabel dos Santos, a milionária de 3000 milhões de dólares no país onde 70% dos habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia,“é uma rara janela para a mesma trágica narrativa cleptocrática em que ficam presos muitos outros países ricos em recursos naturais”.” Público, 14/08/2013 - 20:27 WET (actualizado às 21:26) 

Os pecados capitais do MPLA —ter assassinado Savimbi, ter-se mantido até hoje numa posição ambígua face ao Ocidente (continuando a namorar com a China e com a Rússia), e ter mantido o povo angolano na mais escandalosa pobreza e a economia do país num caos indescritível— poderão custar a Isabel dos Santos e ao mundo que representa um destino inesperado.

O mundo não está para brincadeiras. Quando vi o Kadafi e as suas amazonas acamparem no Forte de São Julião, junto à minha querida praia de Carcavelos, estava longe de imaginar que o seu fim estaria tão perto...

Esta senhora e o seu pai precisam de melhores conselheiros. Não sei, porém, se ainda irão a tempo :(


António Cerveira Pinto 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Cuidado com o corte de cabelo!

Moreira Rato. Foto: Miguel Manso
Perguntem ao Moreira Rato se os Certificados de Aforro estão a salvo do corte de cabelo em caso de reestruturação da dívida pública!

Se houver um novo resgate o mais provável é que os detentores de certificados de aforro percam dinheiro. Muito dinheiro! 

É conveniente perguntar ao governo se estes instrumentos de financiamento da impagável dívida portuguesa estão a salvo dum assalto por parte dos piratas que mandam no estado (haircut), isto é, se são ou não produtos subordinados.

25 mil portugueses têm mais de 100 mil euros em certificadosJornal de Negócios, 14/8/2013 - 00:01 WET.

Chegam notícias de que há muito boa gente que está a desfazer-se destes supostos instrumentos de poupança.

Para quem não saiba, em caso de uma reestruturação da dívida pública portuguesa, ainda que limitada, a qual tem fortes possibilidades de ocorrer em 2014-2015, tal como na Grécia, ou em Chipre, haverá um perdão parcial da dívida, o qual significa um corte nos rendimentos esperados de quem emprestou dinheiro ao estado, comprando títulos de dívida pública, certificados, etc. 

Há, no entanto, um pormenor a fixar: os cortes não serão iguais para todos! 

A menos que o governo nos garanta o contrário, existirá provavelmente, em caso de novo resgate, aquilo a que se chama uma subordinação entre credores, ocupando o BCE o topo da lista (a salvo de qualquer haircut) e os vulgares aforradores que pensaram escapar aos juros negativos dos depósitos, que sofrerão uma perda de rendimentos a qual poderá ir, em teoria, até aos 50% ou mais. Na Grécia os privados levaram uma carecada de 53,5%!!!

Cuidem-se, pois, os detentores particulares de dívida pública portuguesa. 

Pelo despesismo escancarado das autarquias e dos partidos em vésperas de eleições, e do futuro despesismo escancarado do governo e dos partidos a caminho das eleições europeias, em 2014, somados à recessão que voltará a afocinhar o país depois do verão, tudo poderá acontecer. 

E o pior também!

António Cerveira Pinto
para o Partido Democrata

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Render da guarda, ou...

Rei D. Sebastião, autor desconhecido, ca. 1608

O tiro ao alvo prossegue sob a batuta de Portas
Governo alega que apresentação do Citigroup foi "falseada" para incluir nome de Pais JorgeJornal de Negócios, 7/8/2013.

O Executivo diz que o documento que foi disponibilizado a alguns órgãos de comunicação social foi “falseado” de forma a incluir “o nome de Joaquim Pais Jorge” na apresentação que o Citigroup fez ao Executivo que tinha como objectivo a venda de produtos financeiros. Algo que é considerado pelo Governo de "política intolerável".


Os sete dias que atiraram Joaquim Pais Jorge para fora do Governo (act) — Jornal de Negócios, 7/8/2013.

Sete dias teve Agosto. Sete dias esteve Joaquim Pais Jorge sob pressão. Tudo começou num artigo da revista “Visão”. Na explicação à peça, houve “inconsistências”. Também houve uma averiguação interna do Governo. Esta é a história dos últimos dias de Joaquim Pais Jorge na secretaria de Estado do Tesouro.

O assalto do Bloco Central ao aparelho de estado prossegue, com o apoio de toda a nomenclatura oportunista do regime, para quem os independentes no governo se tornaram demasiado incómodos.

Vale tudo! Mas fica a pergunta: quem é que andou a falsificar as contas públicas ao longo de quase uma década? E quem é que sabendo, nomeadamente no parlamento, colaborou na dissimulação do agravamento criminoso do défice e das dívidas pública e externa até que a iminência de uma bancarrota forçasse Portugal a um resgate financeiro violento que mais não é do que uma flagrante perda de soberania?


O Bloco Central procura desesperadamente manter-se à tona, mas perdeu a cabeça. Só falta agora saber quando a veremos cair do alto da sua incomensurável arrogância e estupidez.

Já se percebeu que os devoristas do regime não descansarão enquanto não despedirem Maria Luís Albuquerque. Paulo Portas tem consigo todos os aliados que possamos imaginar, dos barões laranjas da Linha, à bancada do PCP e do Bloco, passando por um PS cada vez mais condicionado pelo governo sombra de José Sócrates, a quem a insolvente televisão pública que pagamos mensalmente —e que mesmo assim continua a agravar o défice— ofereceu um púlpito.

Este triunfo dos porcos visa, apesar da hipocrisia dos discursos e dos esgares, abater dois alvos muito precisos: Pedro Passos Coelho (1) e António José Seguro. Não podemos prever como é que estas criaturas desajeitadas responderão à monumental pressão que sobre elas pesa. Se Maria Luís Albuquerque cair, saberemos que a conspiração do Bloco Central vai de vento em popa. Se resistir, será também um indicador, neste caso, de esperança na mudança de gerações.


Precisamos de ver a floresta para além das árvores, suspendendo por um momento a fulanização e a telenovela política alimentada pelos média.


A geração dos 'baby boomers' e a anterior (dita 'silenciosa') não querem largar o poder, porque têm muito a perder, alguns até têm contas várias e volumosas com a justiça.

Pedro Passos Coelho e o António José Seguro, bem como Maria Luís Albuquerque e Miguel Poiares Maduro, entre outros, são representantes típicos da Geração X, com tudo o que se possa pensar sobre a dita, de bom e de mau. A sua utilidade para os que, como nós, apostam numa renovação do regime, é instrumental, ou seja, devem abrir caminho à malta nascida depois de 1960...

Paulo Portas também é um X, mas por motivos que só ele sabe, anda de mãos dadas com os piratas das duas gerações que o precederam.

Pedro Passos Coelho é o primeiro X a chegar a PM, e António José Seguro será provavelmente o segundo. Paulo Portas acabará por ficar pelo caminho, a menos que a conspiração em curso para derrubar o primeiro ministro em funções e o que presumivelmente lhe sucederá triunfe a favor dos velhos... o que seria péssimo para todos nós.


A minha dedução é simples: se os Xs resistirem e consolidarem o poder a que já acederam parcialmente, mas para o que precisarão ainda de abrir mais portas aos ilustres emigrantes, e sobretudo à geração seguinte, nascida depois de 1980 e conhecida por Geração Milénio, ainda teremos hipóteses de preparar o país para as necessárias transições que o futuro próximo nos exigirá sob pena de, se o não conseguirmos, entrarmos em colapso.

Se, pelo contrário,  a conspiração dos que criaram o problema triunfar, não tardaremos a ouvir uma proliferação de sombras clamando por um novo salvador da pátria. Este, se vier a ser chamado pelo povo em desespero, proporá um novo pacto de regime à discussão e à votação populares. Depois reforçará a sua posição e legitimidade fazendo aprovar no parlamento uma nova constituição, que em seguida submeterá a referendo, na sequência de estrondosas maiorias absolutas —a primeira dando-lhe um parlamento e um governo harmónicos, e a segunda, um presidente. 

Convém não esquecermos que a constituição da república votada em 1975 nunca foi referendada, tornando-se por esta omissão inadmissível um documento partidário e o primeiro entorse da partidocracia que temos.

Vendo a floresta deste ângulo, a fulanização diariamente fomentada pela indigente imprensa que temos, torna-se irrelevante. Podemos não gostar de Seguro, ou odiar mesmo Pedro Passos Coelho pelo que tem feito desde que é poder. Podemos execrar em geral a classe política, os governantes e a alta burocracia. Sim, podemos odiar esta corja toda. Mas se ficarmos por aqui, apenas estaremos a comer na mão de quem nos manipula. Hoje, mais do que nas últimas três décadas, precisamos de cabeça fria, e de cálculo político. Quem nos trouxe até ao resgate não pode ser boa escolha para futuro. Quem herdar a tarefa de gerir a pesada herança, que afinal é uma dívida impagável sem o sacrifício literal de milhares de portugueses que morrerão mais cedo (de doença, de pânico, de tristeza), será sempre incompreendido e mal tratado por todos nós. Pudera, estão a roubar-nos o contrato social!

Mas ainda assim, temos que nos organizar, temos que ordenar friamente as nossas prioridades. Precisamos de prescindir de algumas coisas importantes a que estávamos habituados, por vezes mesmo, mal habituados. Estamos ou não dispostos a discutir esta emergência?

Eu prefiro sinceramente acreditar que é possível e preferível mudar a Constituição e salvar a Democracia, do que deixar o país escorregar para uma nova ditadura. Mas ninguém consegue adivinhar o futuro.


  1. ÚLTIMA HORA — SIC diz que documento alegadamente forjado veio da residência oficial do PM. Jornal i/Lusa, 7 Ago 2013-22:51. Nem de propósito!

POST SCRIPTUM (18-08-2013)


Gerações

Aproveito para reproduzir uma nota de leitura, escrita em outubro de 2009 (alguns dos nomes foram acrescentados mais tarde), que resume um possível retrato das gerações portuguesas olhadas a partir de alguns dos seus protagonistas, nomeadamente nas áreas da política e da economia, e em menor grau, da cultura e do desporto. Creio que perceberemos melhor as dinâmicas em curso no sistema partidário português depois de olharmos para a lista que se segue.

Aplicando grosseiramente a cronologia das "grandes descontinuidades" (ekpyrotic model) elaborada por William Strauss e Neil Howe ao caso português, poderemos olhar para os protagonistas da grande crise que vai de 1961 (início da luta armada nos ex-territórios coloniais portugueses) a 1974-76 (golpe de Estado militar seguido de uma crise pré-insurreccional e estabilização constitucional), enunciando as correspondentes gerações até ao início deste século. A lista de protagonistas é meramente indicativa.

G.I.Generation/ Hero (Civic) - 1901-1924


Adquirem consciência política entre a Grande Depressão, a ditadura Salazarista, a Guerra Civil Espanhola e a II Guerra Mundial. Iniciam os confrontos que levarão ao fim da ditadura Salazarista.

Bento de Jesus Caraça (1901-1948)
Adelino da Palma Carlos (1905-1992)
Humberto Delgado (1906-1965)
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)
António Spínola (1910-1996)
Álvaro Cunhal (1913-2005)
Francisco Costa Gomes (1914-2001)
José Pinheiro de Azevedo (1917-1983)
Jorge de Sena (1919-1978)
Eduardo Mondlane (1920-1969)
Agostinho Neto (1922-1979)
Vasco Gonçalves (1922-2005)
Francisco Salgado Zenha (1922-1993)
Amílcar Cabral (1924-1973)
Mário Soares (1924-)

Silent Generation/ Artist (Adaptive) - 1925-1942

 
Adquirem consciência política durante a II Guerra Mundial, a Guerra Fria e os movimentos anti-coloniais na Ásia e em África. Desencadeiam a oposição institucional à ditadura Salazarista, e finalmente o golpe militar que em 24 horas a derruba (1974).

António Almeida Santos (1926-)
Maria de Lourdes Pintassilgo (1930-2004)
Medina Carreira (1931-)
Álvaro Siza Vieira (1933-)
Ernesto Melo Antunes (1933-1999)
Francisco Sá Carneiro (1934-1980)
Jonas Savimbi (1934-2002)
Américo Amorim (1934-)
Helena Almeida (1934-)
António Ramalho Eanes (1935-)
Jorge Jardim Gonçalves (1935-)
Paula Rego (1935-)
Magalhães Mota (1935-2007)
Jaime Neves (1936-)
Manuel Alegre (1936-)
Otelo Saraiva de Carvalho (1936-)
Francisco Pinto Balsemão (1937-)
Ângelo de Sousa (1938-2011)
Belmiro de Azevedo (1938-)
Aníbal Cavaco Silva (1939-)
Jorge Sampaio (1939-)
Manuela Ferreira Leite (1940-)
Artur Santos Silva (1941-)
José Eduardo dos Santos (1942)
Vasco Lourenço (1942-)

(Baby) Boom Generation/ Prophet (Idealist) - 1943-1960
 

Adquirem consciência política com a Revolução Cubana, a ocupação e fim do Estado Português da Índia, o início da guerra colonial na África Portuguesa, a eleição de John F. Kennedy para a presidência dos EUA, a crise dos mísseis em Cuba, a Guerra do Vietnam, a cultura Hippie e Pop e os movimentos estudantis radicais da década de 60. São protagonistas decisivos no eclodir da crise social, política e militar que conduz ao 25 d Abril. O seu idealismo radical afasta-os, porém, da condução da política, que viria a ser protagonizada por uma aliança pragmática entre a geração de Álvaro Cunha a Mário Soares e a geração silenciosa, que com vagar e prudência lá foi alinhado com a transformação do regime. Esta geração só a partir da década de 80 acede ao patamar da liderança política e cultural

Alberto João Jardim (1943-)
Mota Amaral (1943-)

Vítor Constâncio (1943-)
Capitão Salgueiro Maia (1944-)
José Luís Saldanha Sanches (1944-)
Manuel Salgado (1944-)
Joe Berardo (1944-)
Ricardo Salgado (1944-)
Capitão Diniz de Almeida (1945-)
Angelo Correia (1945-)
Joaquim Ferreira do Amaral (1945-)
Ruben de Carvalho (1947-)
Jerónimo de Sousa (1947-)
Helena Roseta (1947-)
Julião Sarmento (1948-)

Marcelo Rebelo de Sousa (1948-)
António Guterres (1949-)
José Pacheco Pereira (1949-)
António Cerveira Pinto (1952-)
Fernando Ulrich (1952-)
Luís Filipe Menezes (1953-)
Ana Gomes (1954-)
Jorge Coelho (1954-)
Francisco Louçã (1956-)
José Manuel Durão Barroso (1956-)
António Vitorino (1957-)
António Mexia (1957-)
José Sócrates (1957-)
José Pedro Aguiar Branco (1957-)
Rui Rio (1957-)
Carlos Zorrinho (1959-)

Generation X/ Nomad (Reactive) - 1960-1980

Adquirem consciência política com a crise e queda da ditadura seguida do dramático processo de descolonização (geração de 60), ou já com a implementação do regime democrático (geração de 70). Esta geração, sobretudo a nascida na década de 1970, filhos e filhas dos baby boomers, foi objeto de uma sobre proteção familiar, tendo podido esperar quase tudo aos seus compreensíveis progenitores.

década de 1960

Vítor Gaspar (1960-)
António Costa (1961-)

António José Seguro (1962-)
Paulo Portas (1962-)
Pedro Silva Pereira (1962-)
António Filipe (1963-)
José Luís Arnaut (1963-)
José Mourinho (1963-)

António Horta Osório (1964-)
Elvira Fortunato (1964-)
Miguel Palma (1964-)
Pedro Passos Coelho (1964-)
Francisco Assis (1965-)
Nuno Melo (1966-)
Zeinal Bava (1966-)
Marco António (1967-)
Paulo Rangel (1968-)
José Eduardo Martins (1969-)
Teresa Caeiro (1969-)

década de 1970

Carlos Moedas (1970-)
Bernardino Soares (1971-)
Jorge Moreira da Silva (1971-)
Joana Vasconcelos (1971-)
João Moreira Rato (1971-)
Álvaro Santos Pereira (1972-)
Luís Figo (1972-)
Rui Tavares (1972-)

Catarina Martins (1973-)
Luís Montenegro (1973-)
Ana Drago (1975-)
Joana Amaral Dias (1975-)
Isabel Moreira (1976-)
João Galamba (1976-)
João Assunção Ribeiro (1977-)

Pedro Lomba (1977-)
Pedro Nuno Santos (1977-)

Millennial Generation / Hero (Civic) (1980-2000)

Pouco sabemos desta geração, mas as expectativas são de que, graças aos elevados níveis médios de formação, multilinguismo e osmose crescente com a tecnosfera em geral, e com a grande nuvem de comunicação e realidade aumentada em particular, mas sofrendo ao mesmo tempo o impacto brutal do fim de um longo ciclo de crescimento e inflação global (que vai desde finais do século XIX até ao início deste século), saibam adaptar-se a uma era nova de estabilização dos preços, nomeadamente do preço do trabalho, crescimento moderado (entre 0 e 2%), sem por isso perder a civilização, nem as democracias sociais. Esta geração crítica e criativa tem uma capacidade de diálogo única, nomeadamente com as gerações mais velhas, desde logo com os pais, partilhando com eles, por exemplo, a música dos anos 60 e 70.


Cristiano Ronaldo (1985-)
Rita Rato (1983-)
...

Generations. By William Strauss and Neil Howe

UNdata - Elderly-dependency ratio (per cent)


António Cerveira Pinto 

Última atualização: 18/8/2013 - 13:57 WET

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Autarcas indecentes

O pior da democracia escancarado num país falido
A lei é clara, mas a incontinência partidária crê que pode sobrepor-se a tudo e todos. Por mais quanto tempo?

Ontem Judite de Sousa, esposa do autarca que o PSD colocou em Sintra, juntou-se ao comentador Marcelo, que é simultaneamente conselheiro de estado e eterno candidato laranja a Belém, na propaganda indecorosa das candidaturas partidárias ilegais de Fernando Seara e Luís Filipe Menezes à presidência das câmaras de Lisboa e Porto.

A lei é clara, e só a perversão e cobardia dos partidos que temos pode alimentar o contrário,  como o Professor Pardal ontem fez, uma vez mais, na TVI. Talvez conviesse a todos nós e à transparência democrática que o senhor Marcelo Rebelo de Sousa passasse a vestir um T-shirt laranja durante os comentários, para sabermos ao que vem!


Ao contrário dos argumentos caciqueiros dos atuais patrões do PSD e da eterna hipocrisia centralista-democrática do PCP, não são os direitos individuais dos cidadãos que estão ameaçados pela lei que o parlamento aprovou e não quis esclarecer quando um idiota qualquer de Belém, depois de contar pelos dedos, suscitou dúvidas de interpretação. 

Desde 1975, mais de 99% das candidaturas aos parlamentos nacional, regionais e locais, bem como à presidência da república, foram decisões partidárias. Ou seja, o direito de um cidadão qualquer se candidatar aos órgãos de eleição da nossa democracia é virtualmente inexistente, porque tem sido ferozmente limitado pela hegemonia partidária instalada, nomeadamente com a conivência dos bancos, da burguesia rendeira e da principal organização clandestina do país, que é a Maçonaria.

Portanto, o argumento de poder haver prejuízo para a liberdade de eleger e ser eleito, invocado pelo PSD e pelo PCP (partidos atulhados de dinossauros) é um falso argumento e uma demonstração escancarada da hipocrisia partidária que, como hoje sabemos, o melhor que soube fazer, além de proteger os seus, foi conduzir Portugal até à bancarrota.

O único argumento que poderá ser levantado contra a lei existente sobre limitação de mandatos autárquicos, não deriva da sua semântica, mas do simples facto de ser uma lei de exceção, ou seja, aplica-se aos candidatos a presidentes de câmaras municipais, mas não se aplica aos vereadores, nem aos presidentes das regiões autónomas, nem aos deputados em geral, nem ao cargo de primeiro-ministro, ministro, etc. É esta excecionalidade que é constitucionalmente duvidosa, mas não é disto que os hipócritas da nossa imprestável nomenclatura falam. Et pour cause...

A solução democrática para este problema é evidente: todos os cargos políticos devem, em democracia, ser limitados no tempo: dois mandatos para o presidente da república, e três para as demais funções políticas. Ou seja, a mesma pessoa pode ser eleita, ou escolhida, cooptada, etc., apenas duas ou três vezes na vida para qualquer função política da ordenação constitucional que temos.

Mais: nenhum cidadão poderá candidatar-se em eleições autárquicas se não comprovar a sua residência no concelho há, pelo menos, oito anos consecutivos.

É simples e universal.

Só os manipuladores e os mentirosos compulsivos pretendem não entender raciocínios tão lineares e justos quanto estes.

Post scriptum: O Partido Democrata ainda não tomou posição sobre estes casos. No entanto, pessoalmente defendo que se deve votar contra Menezes, contra Seara, assim como contra todas as candidaturas de candidatos fora do prazo de validade. No caso dos dois grandes concelhos do país (Lisboa e Porto), em face das candidaturas existentes, defendo o voto no candidato independente Rui Moreira (Porto) e, para Lisboa, no candidato do PS, António Costa. Uma das formas de diminuir a arrogância dos partidos é votar de forma pragmática e seletiva. É votar, sobretudo, com a carteira!

António Cerveira Pinto